Mousseline de mandioquinha (batata baroa) criada pelo chef Laurent Suaudeau: união franco-brasileira
É interessante observar como chegamos até aqui em termos de gastronomia. Quando falo "nós" me refiro a nós brasileiros e à cozinha profissional brasileira que vem amadurecendo muito desde os anos 80. Vale o resgate histórico: nos anos 80, aqui no Brasil, não era nítida como hoje a preocupação que muita gente tem com a valorização de ingredientes regionais. As coisas começaram a mudar naquela época mesmo, sobretudo pelas mãos de chefs franceses como Laurent Suaudeau e Claude Troisgros. Eles vieram de mala e cuia para viver e trabalhar, e passaram a incorporar produtos brasileiros às técnicas da cozinha clássica francesa e da chamada nouvelle cuisine (um estilo que nasceu nos anos 70, caracterizado por composições mais leves, frescas e servidas em porções menores, adornadas por molhos reduzidos e menos pesados).
A integração ajudou a pavimentar a trajetória de valorização desses elementos brasileiros de um jeito bem prático. Começaram a aparecer nos cardápios dos restaurantes finas combinações com caju, manga, jabuticaba e tucupi, entre outras que hoje são encaradas com naturalidade. Se por um lado era uma necessidade trabalhar com produtos locais, também era urgente para a gastronomia brasileira, que começava a ganhar contornos mais profissionais, ter consciência dos próprios recursos. Uma das receitas mais difundidas desde então é a mousseline de mandioquinha (batata baroa), um creme feito à base de creme de leite, noz moscada e mandioquinha. Foi criada pelo chef Laurent Suaudeau e sintetiza a união franco-brasileira na cozinha: um bocado de restaurantes hoje apresentam a mesma fórmula ou muito parecida.
Na semana passada, almocei na escola de cozinha de Laurent em São Paulo. Fica numa bela casa, no Jardim América. Logo que chegamos, fizemos uma excursão pela cozinha e pudemos observar que o chef tem feito algumas experiências com técnicas da cozinha de vanguarda inspirada na chamada gastronomia molecular (aquela que estuda as reações físicas e químicas no preparo dos alimentos e proporciona formas bem diferentes de apreciar os pratos com texturas alternativas, por exemplo. Entre seus expoentes, o espanhol Ferran Adrià e o inglês Heston Blumenthal). É interessante observar a maturidade com que o cozinheiro incorpora esses recursos para complementar seu trabalho, sem excessos.
Em uma parede do salão da escola está enquadrada a bela foto da mousseline de batata baroa que ilustra esta coluna. E cuja receita encerro nossa conversa desta semana. Além deste, na lista de pratos criados por Laurent em sua trajetória de trinta anos de Brasil consta também o canard à la sauce exotique, que nada mais é do que uma versão do pato no tucupi com técnica francesa. Tinha nome estrangeiro porque na época havia um certo preconceito com os ingredientes brasileiros.
Laurent também usou milho verde para fazer uma massa de nhoque, fez rabada ao molho de jabuticaba e criou uma tarte tatin de caju, versão da torta francesa de maçã caramelizada. Sucesso entre os conhecedores da época foi o molho Iemanjá, em que os ingredientes da moqueca vinham emulsionados. E também a royalle de ouriço com emulsão de coentro.
Sem dúvida, Laurent foi e continua sendo fundamental na evolução da gastronomia no Brasil. E conta com inúmeros profissionais de renome formados por ele atuando no mercado. O primeiro estágio do prodígio Rodrigo Oliveira, do sertanejo Mocotó, por exemplo, foi feito com ele. “A formação representa um acompanhamento dos indivíduos, um trabalho cotidiano”, diz Laurent. “Se há um legado maravilhoso que vou deixar, além da escola, é o de colocar no mercado rapazes que ajudam a enriquecer a gastronomia nacional”, diz.
A mousseline de batata baroa
A mousseline de batata baroa (ou mandioquinha) foi criada na época em que o chef trabalhava no restaurante Le Saint Honoré, no hotel Méridien, no Rio de Janeiro, no início da década de 1980. A inspiração aconteceu depois de um jantar oferecido por um funcionário seu, em Nova Iguaçu. Este lhe serviu um purê de mandioquinha e Laurent apreciou muito o sabor. Paralelamente, o grande chef Joel Robuchon havia desenvolvido seu famoso purê de batata, levíssimo, que fazia muito sucesso. Laurent teve então a idéia de fazer um delicado purê com a bem brasileira mandioquinha. Misturou o tubérculo com creme de leite, leite e manteiga, para obter a textura de mousseline. Na consistência de um purê muito leve.
Finalizou a levíssima preparação cobrindo-a com um pouco de caviar. A invenção acabou virando guarnição de muitos pratos. A famosa panelinha de prata, usada para servir, foi incorporada um pouco depois, em 1986, em seu restaurante na capital carioca. “Encontrei-a num antiquário no Rio”.
Receita
Mousseline de mandioquinha
Receita: Laurent Suaudeau, da Escola das Artes Culinárias Laurent
Rendimento: 4 porções
250g mandioquinha
250ml creme de leite
250ml leite
Noz moscada o quanto baste
40g manteiga
Sal e pimenta-do-reino o quanto baste
40g caviar ou ovas (opcional)
Modo de fazer
1. Lave e descasque as mandioquinhas.
2. Cozinhe em água fervente com sal.
3. Escorra-as e passe por uma peneira.
4. Numa panela, coloque o creme de leite e o leite temperado com sal, pimenta e noz moscada. Leve ao fogo até ferver.
5. Tire do fogo a vá juntando aos poucos a mandioquinha amassada, batendo com um mix até obter a consistência de uma mousseline (um purê de batata bem leve).
6. Por último, junte a manteiga.
Finalização
Disponha a mousseline em tijelinhas individuais e, se desejar, decore com caviar ao centro ou ovas de algum peixe de sua preferência. Vai bem, por exemplo, com ovas de salmão.
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