
Dois pratos muito importantes das culturas paulista e mineira são, respectivamente, o virado à paulista e o tutu de feijão. O difícil é definir as diferenças entre eles. Alguns especialistas argumentam que o autêntico virado é feito com farinha de mandioca e o tutu com farinha de milho. Outros defendem que tanto o virado como o tutu são preparados com a farinha de mandioca. A diferença estaria na consistência do feijão: no tutu, ele é previamente batido e passado por uma peneira. No virado, conserva seus grãos inteiros, ganhando uma consistência mais cremosa.
Mas a verdade é que essas  receitas têm mais semelhanças que diferenças, são primas-irmãs.  Nasceram do tropeirismo, movimento de tropas que durante os séculos  XVII, XVIII e XIX, realizaram o trabalho de distribuição dos mantimentos  pelo Brasil, num regime misto de trocas e de comercialização. Entre as  principais rotas, estava levar o ouro de Minas Gerais para o Porto do  Rio de Janeiro, de onde seguiria para Portugal, voltando com as mais  diversas mercadorias, como roupas, remédios e alimentos para as  populações das regiões pelas quais passava.
A alimentação dos tropeiros era composta por toucinho, feijão, farinha,  fubá, pimenta-do-reino e café. Quando montavam suas tendas para  descansar preparavam pratos como o feijão tropeiro (quase sem caldo com  pedaços de carne-de-sol e toucinho, acompanhado de farofa e couve  picada) e virado. 
Essas são receitas que tem sua origem no Vale do Paraíba, no interior de  São Paulo. Muitos acreditam que foi neste local que surgiram as raízes  da cozinha paulista, em pratos como o afogado (ensopado de carne de  vaca, servido com farinha de mandioca), a canja de galinha e o furrundum  (doce de cidra). A região preserva até hoje a cultura tropeira através  da Fundação Nacional do Tropeirismo e de festas comemorativas como a  Festa do Tropeiro e Peão de Boiadeiro, realizada no mês de julho, na  cidade de Piquete. As receitas do Vale do Paraíba espalharam-se por todo  o interior de São Paulo e passaram a ser chamadas de comida caipira. 
Muito desse arsenal foi absorvido e adaptado por Minas Gerais, como é o  caso do virado, receita que os tropeiros levaram para este Estado e que  acabou se transformando no tutu. Na sua origem, essas receitas caipiras  eram feitas na trempe, o “fogão” dos tropeiros: as panelas ficavam  apoiadas em pedras em formato de triângulo ou penduradas em uma armação  de três varas em estilo tripé por cima do fogo. Ou, ainda, a comida era  feita no tucuruva, um fogão improvisado no meio do cupinzeiro, que com o  passar dos tempos ganhou altura e o formato do tão típico fogão a  lenha.  
Alguns desses pratos vieram na mala dos caipiras que se transferiram pra  capital paulista. Entre as décadas de 1910 e 1930, quando já se  consolidava o processo de industrialização, surgiram os botequins  paulistanos. A cidade começou a crescer e as pessoas não tinham mais  como almoçar em casa, assim, esses estabelecimentos começaram a oferecer  os “almoços executivos”. Eram locais familiares, que serviam comida  caseira. E, para facilitar a vida, ofereciam um prato a cada dia da  semana. Foi assim que o virado acabou se tornando uma das receitas mais  populares, servida tradicionalmente às segundas-feiras. 
Essa é a  configuração atual dos pratos do dia:
- Segunda: dia de virado à paulista ou picadinho de filé  mignon
-Terça: dobradinha ou pastéis com arroz, feijão, couve e  farofa
-Quarta: feijoada
-Quinta: macarrão com frango, rabada com polenta ou  ainda carne-de-sol desfiada
-Sexta: pescada ou bacalhau
-Sábado: o direito a repetir a feijoada
-Domingo: macarronada ou lasanha, influência da  imigração italiana
Eu não podia deixar de  falar um pouco mais do crocante torresmo, acompanhamento indispensável  tanto do virado quanto do tutu. Este é uma contribuição portuguesa, uma  forma antiga de se obter a banha de porco para usá-la na cozinha. Mas,  aos poucos, foi conquistando os brasileiros como um acompanhamento de  pratos e delicioso tira-gosto. O torresmo é uma preparação culinária  feita de toucinho cortado em pequenos pedaços e frito até ficar  pururuca.
Bem, eu adoro tanto o virado, com seus acompanhamentos fartos (bisteca  de porco, banana e ovo fritos, arroz e couve), quanto o tutu, que fica  ainda mais saboroso se você colocar por cima cebolinhas fresquinhas,  finamente cortadas. Ambos fazem parte da nossa tradição culinária.  Espero que você também goste e se delicie com essas receitas extraídas  da Larousse da Cozinha Brasileira, escrita e organizada por mim e pela  historiadora Dolores Freixa. 
Virado  à paulista
Receita: Renata Braune, chef do restaurante Chef Rouge
Rendimento: 4 porções
Ingredientes
2 xícaras de feijão rajado   
1 folha de louro
150g de toucinho defumado
1 cebola picada
2 dentes de alho picados
200g de calabresa curtida
3 xícaras de farinha de mandioca
1 xícara de salsa e cebolinha picadinhas
Sal e pimenta do reino a gosto
Sal a gosto
Modo de fazer  
1. Cozinhe o feijão com a folha de louro. Quando estiver macio, reserve.
2. Frite o toucinho picado e quando estiver dourado, coloque cebola  picada e alho picado.
3. Adicione a lingüiça picada e coloque o feijão para refogar. Adicione  sal e pimenta do reino a gosto.
4. Coloque a farinha de mandioca aos poucos, para engrossar o feijão,  até que fique cremoso como um pirão, salpique salsinha e cebolinha.
5. Sirva com os acompanhamentos: bisteca de porco frita, arroz branco,  ovo frito, mandioca e lingüiça frita.
Tutu  de feijão com couve e torresmo
Receita: Benê Ricardo, chef consultora e professora de culinária ((11) 2221-0630  begin_of_the_skype_highlighting              (11)  2221-0630      end_of_the_skype_highlighting)
Rendimento: 10 porções
Ingredientes  
1kg de toucinho de barriga para torresmo
Azeite a gosto – mais ou menos uma xícara
1 cebola
2 dentes de alho picados
1kg de feijão já cozido e temperado (batido no liqüidificador)
200g de farinha de milho passada na peneira
Salsinha bem picada
Sal e pimenta moída na hora a gosto
Modo de fazer
1. Com o toucinho faça os torresmos.
2. Numa panela refogue com o azeite a cebola e o alho. Junte o feijão  que passou no liquidificador. Agregue a farinha até ficar um creme meio  espesso, junte a pimenta e o sal. Por último agregue a salsinha.
3. Passe o tutu para uma travessa, guarneça-o de couve à mineira e  torresmo frito. Se desejar, jogue cebolinha picada por cima.
Receitas extraídas do livro Larousse da Cozinha Brasileira – Raízes  da Nossa Terra, da editora Larousse  
 
 
 
 
 
 
 
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