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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Plantão Médico: tire dúvidas sobre o Rivotril

Especialista tira dúvidas das leitoras sobre ansiolíticos como o Rivotril, o 2º medicamento mais vendido no Brasil ano passado



Foto: Getty Images Ampliar

É mais fácil largar a cocaína do que o ansiolítico prescrito inadequadamente

Entrevistamos o doutor Elko Perissinotti, Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas – FMUSP, Hospital e Maternidade São Luiz e membro da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, para tirar as dúvidas das leitoras comentadas na matéria Por que o Rivotril é tão consumido?.

Ele esclareceu perguntas sobre dependência, tratamentos alternativos, riscos e o “desmame” do remédio. “Ao todo, existem mais de 15 tipos de benzodiazepínicos. São medicamentos controlados, com receita médica, embora a compra no mercado negro seja possível”, diz.

As diferenças entre os medicamentos desta classe estão em seus mecanismos de maior ou menor rapidez de metabolização, ou seja, eliminação da substância pelo corpo, o que é chamado pelos médicos de “meia vida”. Mas todos se assemelham em sua característica ansiolítica, ou seja, drogas usadas para diminuir a ansiedade e a tensão.

Qual é o grau de dependência que os benzodiazepínicos (ansiolíticos), como o Rivotril, provocam?

A princípio, se utilizamos uma determinada dose de tranquilizantes ou ansiolíticos em períodos curtos, e em dose não muito elevadas, o risco de dependência tende a zero, é baixíssimo. Mas são muito comuns as prescrições de tranquilizantes por alguns clínicos gerais, e mesmo psiquiatras, por períodos prolongados, chegando a semanas ou meses.

Um período pouco maior do que duas semanas, e em doses um pouco mais altas, já é suficiente para se criar uma dependência psíquica. E, três semanas após, a dependência física é nitidamente consumada. De modo geral, o indivíduo entra em fase de dependência – há mal-estar e “fissura” quanto à necessidade do medicamento.

Esse tipo de tranquilizante está situado entre os mais questionados na obtenção de um tratamento eficaz. Ou seja, figura entre os mais difíceis para se reverter no caso de um quadro de dependência. Se estabelecermos uma comparação com drogas ilícitas, como maconha e cocaína, diria que os tranquilizantes benzodiazepínicos são mais difíceis de serem deixados do que estas drogas. Por outro lado, empatam na questão da dependência com o cigarro.

Quais os riscos do uso inadequado de tranquilizantes?
Atualmente, os tranquilizantes são usados de forma habitual no mundo todo. E é comum o uso de estimulantes para iniciar o dia de trabalho, e de tranquilizantes quando se chega do trabalho. Esse é um hábito perigoso, que compromete a qualidade de vida do indivíduo. Isto é grave, pois implica em um alto grau de dependência, leves déficits cognitivos e, ao mesmo tempo, é destrutivo para o relacionamento social e familiar.

É possível parar com a medicação de ansiolíticos (benzodiazepínicos) por conta própria?
Possível é, mas o indivíduo não encontra forças para parar. Parar a medicação por conta própria é quase impossível, tanto por parte de quem toma este medicamento com indicação e receita médica, quanto quem se utiliza adquirindo-o no mercado negro – ou seja, em auto-medicação.

O paciente até poderá deixar o uso dos tranquilizantes, caso reduza a dose lentamente a cada dia. Mas normalmente o que se vê é uma dificuldade enorme em ir reduzindo a dose, porque à medida em que vai fazendo a redução, enfrenta certos sintomas desagradáveis, como vertigem, tremor das mãos, insônia e aumento da ansiedade. Se não tiver uma força de vontade muito grande para enfrentar isso, volta a consumir a mesma dose anterior – que é maior que a da fase de redução – para eliminar os sintomas de abstinência. Quem efetivamente quer parar enfrenta esses sintomas e mantém a redução até zerar a quantidade de tranqüilizantes. Mas essa é uma missão quase impossível.

Há risco de recaídas?
Quem consegue parar por conta própria tem que voltar a enfrentar os revezes e as adversidades da vida, que angustiam o indivíduo, fazendo com que ele volte aos benzodiazepínicos. É muito parecido com o alcoólatra, que após 10 anos abstinente pode recair. Por tudo isso, parar por conta própria chega a ser aterrorizante.

Como fazer para parar, então?
O médico precisa saber quando indicar um benzodiazepínico, quando retirá-lo, qual a dose mínima para que o paciente tenha o menor risco de dependência possível. Também é preciso acompanhá-lo durante todo o tempo, já que o profissional é o responsável por ter ministrado o medicamento e também responsável pelo “desmame”, ou seja, o período em que o indivíduo deve parar de tomar esse tranquilizante. O médico deve estar lado a lado neste momento.

Os ansiolíticos podem resolver o problema sozinhos?

Só se obtém resultados satisfatórios se as pessoas não fizerem uma dicotomização entre a mente e o corpo. É muito comum utilizarmos o chamado “esquema de responsabilidade exclusiva” do comprimido. Fazendo uma analogia, se você está com colesterol alto e vai comer um churrasco, pensa assim: “comprimido, faça o seu efeito protetor”. Com isto, quero dizer que nós precisamos ser o elemento ativo da nossa própria recuperação.

Falando de casos da área de saúde mental, não adianta só tomar certo medicamento se você também não faz psicoterapia. Ou seja: o paciente tem que saber se quer se curar ou se quer “empurrar com a barriga”, fazer um tratamento “meia-boca”.

Existem medicamentos naturais que podem substituir os benzodiazepínicos (ansiolíticos), evitando a dependência química?
Existem os fitoterápicos – é importante não confundi-los com os homeopáticos. São medicamentos químicos também, embora retirados das plantas. Têm contra-indicações, com risco de dependência menor. Ressalto que alguns medicamentos fitoterápicos são tão tóxicos quanto os alopáticos.

Existem níveis aceitáveis para a não indicação de benzodiazepínicos (ansiolíticos)?
Algumas pessoas irão se beneficiar de forma bem clara com os tranquilizantes benzodiazepínicos, mas para alguns pacientes não se deve indicá-los. Alguns clínicos receitam benzodiazepínicos para indivíduos com depressão – como, por exemplo, o clonazepam, um dos mais utilizados no Brasil. Este paciente não necessita de um tranquilizante, ele necessita de um antidepressivo (que não têm nada em comum com os benzodiazepínicos), que tem risco de dependência muito mais baixo, quase zero.

Outro item importante é a receita de um benzodiazepínico para quem tem histórico de drogadição (adicto). O paciente que já foi alcoólatra, dependente de maconha, cocaína, ou crack tem uma tendência para criar vínculos com substâncias psicoativas. Se o médico receita um benzodiazepínico, ele é um forte candidato a ter somente malefícios, pois rapidamente será um dependente. E pior, pode-se criar uma tolerância ao medicamento, fazendo com que aumente a dose, conforme o tempo de uso.

Uma dose “fraquinha” de tranquilizante (clonazepam), ingerida toda noite, pode ser considerada “fraquinha” hoje. Mas, daqui a dois anos, dos 0,25 mg pode passar para 2 mg e, talvez, após mais dois anos passe para 4 mg. Tudo para ter o mesmo efeito que tinha no início do tratamento.

Qual o grau de dependência do clonazepam?
Dentre todos os benzodiazepínicos, o clonazepam parece produzir um menor grau de dependência. Mas alerto que causa dependência, sim. Alguns estudos sugerem que, para doenças ditas da ‘moda’, como a síndrome do pânico (Transtorno de Pânico), ele parece ter uma eficácia um pouco maior que os outros da mesma família – como o Diazepam, Bromazepam, Lorazepam, Clobazam. Mas vale lembrar que, no caso da Síndrome do Pânico, há diversas formas de tratá-la, não necessariamente com este tipo de medicamento.

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