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domingo, 13 de setembro de 2009

Dançarino que perdeu a perna recorre à poesia para enfrentar tragédias

Desgraça pouca é bobagem.

Este ditado popular não faz parte da vida do ex-professor de dança de salão Jessé Ramalho Freire, 42, que pode ser visto andando pelas largas avenidas de Dourados amparado por uma muleta.

Onde deveria existir apenas tristeza e escuridão podem ser vistos luz e alegria.

Nicanor Coelho
Jesse é um exemplo de luta e amor à vida

Assim é a vida de Jessé que antes das desgraças inundarem a sua vida alegrava-se nos salões de baile de Dourados ora dançando para se divertir ora ensinando os primeiros passos para os mais tímidos. Assim Jessé levou sua vida durante longos anos.

Certo dia foi pego de surpresa. Descobriu que o diabetes passou a fazer parte da sua vida, do seu corpo: o seu novo dilema. Parou de dançar. Não ensinou mais os futuros dançarinos e foi parar na fria enfermaria de um hospital de Campo Grande, longe dos amigos, dos familiares e das intermináveis noites bailáveis.

À espera de um milagre, Jessé permanecia dias e dias sonhando em voltar ao seu cotidiano até que o médico trouxe a notícia cabal: sua perna seria amputada. A tristeza tomou conta do professor que nada tinha aprendido sobre a paciência e como aceitar uma vicissitude. O desespero encheu a sua alma de desesperança. Sem a perna, a dança seria coisa do passado. Dez minutos antes da cirurgia de amputação, Jessé chorou um rio de lágrimas. Uma pororoca criou-se. Um infinito mar de amargura fez seus olhos criar cachoeiras de desilusão.

Foi neste momento que Jessé lembrou o seu passado, dos seus pais e da educação que recebeu na infância. Lembrou-se que havia abandonado os cultos da Igreja Metodista onde nasceu. Lembrou-se que havia se esquecido de Deus. Ao recobrar sua consciência e rememorar seu passado, Jessé abriu um largo sorriso e somente pediu que “Deus” tirasse toda a tristeza de seu coração. Assim se fez. Fiat Lux. A luz novamente brotou em sua fronte e uma verve de alegria invadiu o centro cirúrgico.

A perna de Jessé foi sepultada com seu passado, com suas aulas de dança e com toda a amargura. O diabetes, seu verdugo, além de consumir seu membro mais importante, danificou seu pâncreas, estragou seus dois rins e deixou seus dois olhos “faróis de luzes baixas” com apenas sessenta por cento de capacidade de guiar seus passos agora trôpegos.

Desgraça pouca é bobagem. Jessé perdeu a noiva que preferiu trilhar outro caminho longe de um inválido que precisa fazer hemodiálise pelo resto da vida. Sua pequena empresa de fabricação de pão de mel foi para o limbo. Sobraram apenas uma irmã, um sorriso contagiante e a poesia como consolo. As desgraças continuaram. Depois de ficar um ano “mofando” numa fria cama de hospital foi para uma cadeira de rodas onde permaneceu por mais doze intermináveis meses. Há apenas um ano está desfilando pela Avenida Marcelino Pires, com uma prótese reluzente onde existia uma perna saltitante.

As graças voltaram para a vida de Jessé. Passou a compor seus poemas liricamente-líricos que vai se transformar num livro ainda este ano. Conseguiu com a graciosidade de sua ex-aluna de dança Josinéia Silva, uma jovem de apenas 25 anos que mora em Itaporã um rim bom. “Ela era a minha parceira de dança. É minha amiga e vai dar vida para a minha vida”, disse o poeta que deve embarcar até o final de novembro para São Paulo onde fará um transplante de um rim e de pâncreas.

Para findar esta epopéia pela sobrevivência, Jessé embarca numa odisséia para conseguir dinheiro para ir para a Paulicéia Desvairada. Está novamente percorrendo as largas avenidas para vender camisetas para arrecadar dinheiro para a viagem. O dançarino e agora professor de “vida” voltou para os braços Metodistas e criou o Projeto CVI-Vida (Centro de Valorização e Inclusão à Vida) do qual é presidente. No CVI há espaço para a esperança e alegria. Há lugar para todos os desvalidos. Para os soropositivos, renais crônicos, para todos os tipos de deficientes e eficientes, para os que precisam de um transplante e aos anônimos-sinônimos-antônimos que estão mergulhados nas infinitas “patologias crônicas”.

E para quem acha que é necessário muito dinheiro para ser feliz, Jessé nos prova que os R$ 465,00 “doados” pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) são suficientes para que a vida possa ser vivida plenamente mesmo com as impossibilidades que a “vida lhe ofereceu”. O poeta-órfão sente-se como um pai-mãe-irmão de todos os desvalidos que não encontram arrimo nos familiares, nos programas sociais dos governos e na comiseração dos humanos que “nos rodeiam”.

Ao nascer um pouco antes do “ano que não terminou”, o rebento que hoje é uma “aula de como bem viver” recebeu de seus pais, apegados às tradições Judaico-Cristãs, o nome de Jessé que em Hebraico –Ben Yishai- quer dizer “Presente de Deus”. O Jessé citado nos livros de Isaias e Samuel no Antigo Testamento era filho de Obede e neto de Rute. Para os cristãos a profecia dita no capítulo 11 de Isaias aponta que “brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará”. Do DNA de Jessé foram concebidos Eliabe, Abinadabe, Sama e David que se tornaria o segundo rei de Israel, o salmista que derrotou o gigante com uma atiradeira.

Como “Presente de Deus”, Jessé tece sua nova vida à espera do transplante enquanto trama seus versos como estes que ele recita de cor e salteado por onde passa, para qualquer pessoa, para quem queira ouvir: “Em meio a essa viagem chamada vida nós podemos perder a saúde, bens materiais, sonhos que se tornam pesadelos. Podemos até ser deixados para trás pelas pessoas a quem tanto amamos e confiamos, mas existem dois pilares que não podemos perder jamais: uma fé genuína em Deus e um coração apaixonado pela vida, pois mais triste que possa parecer, se isso for verdade absoluta nós somos mais que vencedores”.

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