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Não me Contem se Descobrirem a Causa da Morte
Egberto Ribeiro Turato
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Michael havia deixado de ser, para nós, pessoa humana tal como somos. Fazia tempo que se tornara mito. Não era mais pessoa da História. Era personagem de muitas estórias (aproveito a diferença conceitual que aprendi com meu amigo Rubem Alves). Mitos não têm eventos de vida explicáveis. Mitos servem para povoar nosso imaginário do jeito que os desejamos. Revelar causas da morte só se aplica a seres biológicos, documentados. Tem de haver coleta de dados, discussão sobre nexos e conclusões à luz da Lógica. É assunto da Ciência. Mitos não existem para serem entendidos no jogo acadêmico das correlações causa-efeito.
Deste modo, a Medicina nada tem a falar sobre a morte de nosso Michael. Porque as Ciências Médicas não detêm métodos para desvelar significações de fenômenos existentes nas tramas simbólicas da cultura e do psiquismo humanos. Igualmente, não precisamos dominar interpretações ‘psis’ sobre este cantor cinqüentão, supostamente regredido por importantes traumas edipianos. Agradecemos à boa intenção em suas eruditas falas, cuidem bem de seus clientes e deixem nosso Michael sossegado. Aliás, há especialistas que se põem a falar, mais por conta das próprias demandas narcísicas do que para partilhar vivências com o povo.
Mitos são espantosas e deliciosas narrativas lendárias. Crenças que servem para lidarmos com nossas angústias existenciais - individuais ou coletivas. Mais que isso: mitos têm função estruturante das vidas dos indivíduos e da humanidade. Como tantas figuras, assim nos vinha servindo o Michael e assim ele nos continuará servindo. Se os cientistas divulgarem as causas que tiraram a vida do corpo do senhor Michael, todos nós perderemos com isso. Então teremos ‘uma’ explicação.
E perderemos o fascínio de termos ‘todas’ as explicações. Não poderemos mais projetar nossas incontáveis – e inconfessáveis - fantasias nele. Não o queremos descrito como fatos concretos, descritos. Basta que apenas os legistas a autoridades saibam o que realmente aconteceu no espaço empírico desses fatos. Para o mundo, ele deve continuar sendo imaginado como o inventamos.
Já pensaram como ficarão frustrados os amantes do suicídio se comprovarem que ele morreu de causa natural, de uma doença? E como ficarão desconcertados os usuários de substâncias se souberem que ele terminou a vida com um tiro de revólver? E que fato paralisante para repórteres não haver versões de que ele tenha bolinado os genitais de meninos! Que sem-gracice para a mente não poder haver brincadeiras com nossas imagens corporais, se o rosto dele tivesse uma definição comum!
Que vulgar se a cor de sua pele parecesse sempre a mesma! Gostava mesmo de sorvetes? Como conseguia dançar daquele modo num corpo humano, tal como estudado seriamente pelos anatomistas e fisiologistas? Foi abusado sexualmente pelo pai ou não? Teve casamentos com mulheres mantendo-se assexuado, homossexualizado, com episódios heterossexualizados, pedofilizado na carne, pedofilizado só na mente? Teria sido um brocha ou tinha portentosas ereções? Fazia sexo ou só sublimava? Bilionário ou arruinado?
Aconselho jamais procurarem confirmar essas informações. Não ousem desvendar os mistérios que lhe atribuem. Não é uma posição emocional, do tipo de negação psicanalítica; nem posição política, do tipo alienação ideológica. É posição filosófica de salvação humana. Se o consideram um coitado, sendo ele nosso mito, por conseqüência coitados somos nós. É preciso que todas as coisas faladas sobre Michael nunca tenham acontecido, em nenhum lugar, para que possam continuar acontecendo sempre, em todo lugar.
O antigo mundo greco-romano era abundante em criações mitológicas. Em nossa sociedade urbano-industrial, das repetitivas vivências de tardes domingueiras nos shopping-centers, os mitos estão escassos. Portanto, abaixo as propostas das des-mitificações! Precisamos de mitos. Eles permitem expressarmos verdades da alma que não podem ser ditas de outra maneira.
We are the world. Michael está vivo. Sirvam-se.
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