Viver de Luz?
por Giridhari Das
Muitas pessoas almejam viver de luz, ou seja, viver sem beber ou comer nada. Algumas enxergam nisso um estágio superior de existência e naturalmente acreditam que isso simboliza avanço espiritual ou autorrealização. O que talvez as pessoas não saibam é que o processo de viver de luz é encontrado nos textos milenares do yoga como sendo um dos siddhis ou “poderes místicos” adquiridos por meio da meditação.
Na cultura da autorrealização em yoga é possível desenvolver grande poder sobre o corpo, porque se desenvolve grande poder sobre a mente. Quem controla a mente, controla o corpo e, dizem os textos védicos, num estágio ainda mais elevado, controla também a energia material ao seu alcance. Porém, esse tipo de controle da mente vem de uma vertente pouco trilhada do caminho do yoga – dhyana-yoga – ou yoga da meditação.
Este caminho é pouco recomendado por ser menos eficaz, perigoso, difícil e demorado – muito demorado! Os textos védicos que descrevem essas práticas falam de iogues que passavam até 60 mil anos meditando. Isso obviamente em outras eras, não na atual kali-yuga (era das desavenças), na qual vivemos já há 5 mil anos.
O controle da mente sempre é o foco central da prática da autorrealização em yoga, porém existe uma maneira mais inteligente e recomendada de atingir esta meta, que é trilhar o caminho tríplice do yoga, ou seja, o desenvolvimento simultâneo de comportamento piedoso e puro; conhecimento transcendental; e devoção a Deus.
O caminho tríplice do yoga é encontrado e enfatizado nos dois textos centrais da autorrealização em yoga: o Yoga Sutra de Patanjali e o Bhagavad-gita (veja Yoga Sutra 2.1, por exemplo, ou Bhagavad-gita 13.8-12).
Entende-se facilmente que este é o caminho recomendado quando se compreende que o propósito final do processo de autorrealização é ser uma pessoa livre dos defeitos e condicionamentos mundanos, manifestados na forma de egoísmo, raiva, inveja, luxúria, ganância, medo, ilusão, loucura etc. O objetivo é retomarmos nosso estágio original de existência como seres puramente transcendentais, capazes de amar puramente e sermos puramente amáveis.
Já a vertente de dhyana-yoga, ou meditação, é praticamente impossível de ser seguida hoje. Nossas mentes estão completamente intoxicadas por todo tipo de lixo, na forma de químicos, ondas de rádio, micro-ondas etc. e, principalmente, toda a terrível porcaria que já absorvemos através da tevê, propaganda, filmes, internet, revistas, jornais, conversa fiada e músicas.
Nossa mente está tão entupida de lixo que querer chegar apenas ao estágio inicial de meditação já é uma ilusão, um conto de fadas, a não ser que se tenha nascido num pequeno vilarejo pré-era industrial e com 5 anos tenha se retirado para viver com um guru na floresta ou nas montanhas (que é o que os grandes iogues faziam).
Ainda assim, mesmo que alguém tivesse essa boa fortuna de não ter passado 20, 30 ou 40 anos sujeitando sua mente a tanto lixo tóxico, cultural, energético e químico, o caminho tríplice do yoga é mais agradável e eficaz. Meditação por si só não é suficiente – a alma ainda precisa chegar ao seu objetivo de voltar a ser uma pessoa eterna e amorosa.
Os textos védicos também alertam que o desenvolvimento de poderes místicos (siddhis), que advêm da prática de dhyana-yoga, é um terrível perigo para o iogue, pois esses poderes tornam-se uma grande tentação (Yoga Sutra 3.50-51, por exemplo) que novamente jogará o iogue no mundo do orgulho, falso poder, ilusão, raiva, ganância, entre outros, afastando-o do objetivo final de toda a prática de autorrealização, que é ser perfeitamente humilde e refugiado em Deus (Bhagavad-gita 18.66).
Não que haja um perigo real hoje em dia, pois, apesar de ainda existirem em algumas partes do mundo, os iogues com verdadeiros poderes místicos estão em extinção, devido ao avanço da poluição do planeta em todos os níveis – material, cultural e mental. Além do mais, tais iogues têm poderes ínfimos, muito aquém do que é descrito nas escrituras.
Voltando ao tema viver de luz, é interessante notar que os textos do yoga não promovem esta prática. No Bhagavad-gita (6.17), Krishna explica que um iogue bem-sucedido “não come nem demais nem de menos”. É o caminho do meio, o equilíbrio, que é desejável e benéfico para o processo de autorrealização.
Já no caminho tríplice do yoga, o ato de comer tem um papel central, onde o praticante come alimentos primeiramente oferecidos com amor e devoção a Deus. Este alimento é chamado de prasada, que em sânscrito significa misericórdia. Comer prasada é mais poderoso do que jejuar, no que se refere ao despertar da alma e à purificação da consciência. Uma declaração védica diz que “o resultado obtido por jejuar por um mês continuamente em seis diferentes ocasiões consegue-se facilmente ao comer um punhado de arroz primeiro oferecido a Deus [prasada]”.
Portanto, viver de luz é apenas mais um projeto do ego material, completamente desnecessário e praticamente inatingível. Por ser algo nascido do ego material, o resultado provável de tal empenho é se encher de orgulho por ter reduzido o consumo de alimentos, mesmo que parcialmente, ou até a morte inglória de inanição autoimposta.
Devemos sim mudar nossa dieta, mas que seja uma mudança saudável, prática, importante para o planeta e essencial para a alma – mudança para uma dieta de prasada, de alimentos puros, lactovegetarianos, oferecidos primeiramente a Deus com amor e devoção. Melhor que viver de luz é comer unicamente prasada, alimento oferecido a Deus que retorna para nós na forma de Sua misericórdia energizante, purificadora e curativa.
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