SUA CONEXÃO

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

PISTOLEIRO DE DOURADOS - MS

"Por uns dólares a mais"A historia de um pistoleiro de Pedro Juan Caballero.


Reportagem da Playboy de Agosto.
Contactos produção para reportagem feito pelo site capitanbado.com.
“Este nunca errou um tiro e jamais deixou de entregar as encomendas”.

Antônio tem 20 anos de profissão, cobra de 1 000 a 2 000 reais por trabalho e já matou mais de 300 pessoas, mas está preocupado: a concorrência pratica preços menores e não tem código de ética

Camisa preta de mangas longas, jeans surrado e botas de boiadeiro. O homem de 1,70 metro surge do corredor escuro que liga a sala à cozinha mal iluminada. Sem falar nada, coloca sobre a mesa duas pistolas “ponto 40″, originalmente criadas para o FBI e usadas por polícias brasileiras. Ambas estão carregadas e fazem barulho quando encostam na madeira. Sobre a cabeça, Antônio (nome fictício) traz uma camisa enrolada como se fosse capuz. “Está com medo?”, pergunta. E estende a mão.

Depois dos cumprimentos ele se acomoda numa das três cadeiras da cozinha. Na cintura, traz uma terceira pistola da qual não se separa. Tem o olhar fixo no interlocutor. A luz fraca ajuda a esconder o pouco de feição que se percebe por trás do capuz. Seus olhos são castanho-claros, a voz é rouca e o sotaque mistura o modo de falar nordestino com algumas palavras em castelhano. À pergunta “qual é a sua profissão?”, ele responde sem hesitar: “Eu mato”. Aos 35 anos Antonio mata uma média de 15 pessoas por ano. A soma dos corpos ultrapassa a marca de 300.

Ele conta que começou cedo no ofício. Seu primeiro assassinato, lembra, cometeu quando tinha 15 anos, em Alagoas. “Foi numa briga de família. Era um homem de 58 anos. Matei numa emboscada com um tiro de [espingarda calibre] 12. Depois ainda descarreguei um [revólver] 38 nele. Não senti nada.” Desde então, coragem e disponibilidade passaram a ser seu cartão de visita. Os clientes eram geralmente políticos e fazendeiros da região. “Nunca mais parei”.

Terra sem lei

Antônio transita há oito anos pela linha de fogo que vai de Pedro Juan Caballero a Capitán Bado, no estado paraguaio de Amambay. Distante 420 quilômetros de Assunção, Caballero é uma cidade de 80 mil habitantes que, junto com Capitán Bado e Coronel Sapucaia, no Mato Grosso do Sul, forma um território sem lei onde, a partir das 8 da noite, só cachorros e loucos circulam pelas ruas. Há um toque de recolher implícito na rotina da população, que sobrevive em sua maioria sustentada pelo tráfico de drogas. “Quando a polícia bate por aqui é um deus nos acuda. Não se compra um prego, não circula um tostão”, queixa-se o comerciante de uma pequena loja de eletrônicos no centro de Capitán Bado, que prefere não se identificar.

A região, de acordo com dados da Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad), órgão ligado à Presidência da República do Paraguai e financiado pelo Departamento de Estado Americano e pela Polícia Federal brasileira, é responsável por dois terços da produção de toda a maconha plantada em solo paraguaio. A estimativa é que atualmente 21 mil hectares de terra sejam destinados ao cultivo da droga no país, dos quais 15 mil nos arredores de Capitán Bado e Pedro Juan Caballero. A produção média local é de 3 toneladas por hectare em cada colheita. E a produtividade vem aumentando nos últimos três anos com o plantio de maconha geneticamente modificada, capaz de proporcionar até cinco colheitas anuais em vez das duas habituais.

O tráfico e as plantações de maconha na região começaram há 35 anos, quando João Morel, um fazendeiro mato-grossense assassinado em 2001 no presídio de Campo Grande, decidiu exportar maconha do Paraguai para o Brasil, entrando à força no negócio dos bolivianos e dos colombianos. Pioneiro no tráfico, Morel abriu caminho para os grandes “comerciantes” de hoje.

“Os Morel reinaram aqui por três décadas. No fim dos anos 1990, quando o tráfico se pulverizou, apareceram os matadores de aluguel, usados de forma indiscriminada para eliminar inimigos. Aí a coisa saiu do controle”, diz o delegado Carlos Knoll, da Delegacia de Repressão ao Tráfico de Entorpecentes de Campo Grande (MS).

Por “sair do controle” entenda-se uma média de 150 mortes por ano na linha de fronteira. “As mortes na região são um braço do tráfico e uma forma de ele se perpetuar. Quem mata mais mostra mais força”, queixa-se o delegado Caio Pellin, da PF de Ponta Porã (MS), que está prestes a deixar a região para combater o tráfico na Amazônia.

Mercado de sangue

Antônio é um dos integrantes da sangrenta engrenagem que envolve policiais, militares, promotores, juízes e políticos paraguaios, todos corrompidos pelos gordos “pedágios” que os bandidos alegam pagar nas diversas fases do tráfico e de crimes adjacentes, da produção ao transporte, além da manutenção de rotas e fregueses. “Tenho três processos no Brasil por porte de arma e homicídio, mais dois no Paraguai. A única maneira de permanecer solto e trabalhando é pagando propinas a esses filhos da puta. Pago de meganha a juiz, 1 000, 2 000 reais, quanto pedirem”, reclama Antônio.

Mesmo num ano de crise econômica, a atividade mantém-se a todo o vapor e parte das mortes sequer chega ao conhecimento da polícia, já que ocorrem em campos desertos e estradas vicinais. Apesar da perenidade, Antônio reclama que o mercado de trabalho não é mais o mesmo. O aumento da demanda de assassinatos trouxe à região uma legião de jovens matadores, muitos do próprio lugar que, sem perspectivas de trabalho, acabam seduzidos pelas ofertas de mortes. “Nos últimos anos, isto aqui virou uma bagunça. Aceitam matar por qualquer trocado. Eu só recebo em dólar e adiantado”, conta. Os valores variam de acordo com a importância da vítima. “Já matei político grande da região por 10 000 dólares, mas, se for peixe pequeno, a gente negocia um preço menor, 1 000 ou 2 000 reais.”

O delegado Pellin atesta que os preços praticados por Antônio são dos mais altos do mercado. “Não é difícil encomendar uma morte por 100, 200 reais. A realidade é que estão matando cada vez mais. E por menos.”

O velho pistoleiro também se irrita com o comportamento dos novos matadores, geralmente jovens com menos de 20 anos. “Eu não bebo, não fumo, vivo sozinho, tenho horror a drogas. Saio de casa, trabalho e volto sem perturbar a vida alheia. Mas como age a meninada hoje? Na desordem, no barulho. Matam e comemoram, saem dando tiro a torto e a direito, e tem uns que ainda roubam. Não gosto de gente assim. Onde já se viu roubar o que é dos outros? Na vida, a gente tem de ter disciplina”, filosofa em tom austero. Em sua disciplina com traços de superstição, Antônio inclui jamais assassinar policiais (”Dá um azar danado!”), carregar a arma apenas quando está efetivamente saindo para executar um serviço e nunca tratar diretamente com o contratante. “Não quero saber da vida da vítima, se é novo, velho, se tem família, nada. O que me interessa é o dinheiro adiantado, o dia e o local para eu fazer o trabalho”, sentencia.

ENTREVISTA COM UM NARCO DE CAPITÁN BADO

Os contratantes de Antônio são, na maioria das vezes, grandes traficantes da fronteira, mas também médios e insuspeitos como Luiz (nome fictício), que envia semanalmente ao Brasil cerca de 1 tonelada de droga, por via terrestre, de Capitan Bado até Campo Grande (MS). Franzino, 25 anos, olhos verdes, Luiz nasceu em Coronel Sapucaia, mas fala com forte sotaque paraguaio. “Nos últimos tempos, tenho encontrado umas ‘mulas’ loucas que enchem um carro de passeio, deixando apenas o lugar do motorista, e saem daqui para Campo Grande se arrastando no asfalto de tanta maconha.” Luiz conta que, para garantir a segurança da rota contra eventuais emboscadas de concorrentes, ter matadores à mão é fundamental.
O contato com os profissionais é feito por agentes como Carlos, que mantém uma carta de matadores para que o cliente escolha. Foi por meio dele que a reportagem da PLAYBOY chegou até Antônio.

Carlos, 26 anos, trabalha como assessor parlamentar de um deputado paraguaio. Para a conversa, escolheu aquele que considera seu melhor profissional. “Este nunca errou um tiro e jamais deixou de entregar as encomendas”, diz, sem disfarçar o orgulho.

Com as armas de Jorge

Para Antônio, pouco importa o poder do traficante que o contrata, se envia 1 ou 10 toneladas por semana. “É um trabalho como outro qualquer, como o de pedreiro, pintor, médico. Alguém precisa fazer o ‘serviço’; então vou lá e faço.”

Remorso e culpa são sentimentos estranhos para ele, que diz ter apego a apenas duas coisas: a chácara de 2 hectares nos arredores de Pedro Juan Caballero, que comprou com dinheiro dos homicídios, e seu cavalo (”Bonito que só o senhor vendo!”). Indagado sobre se pensa em ter uma família e largar o trabalho, Antônio ressente-se. “É algo que não espero. Minha vida é essa, é assim que ganho dinheiro. Qualquer um que se encoste em mim vai ter a vida desgraçada. Prefiro viver sozinho. Mulher para mim é puta de zona; vou lá e pago. Não tenho pai, mãe, nada. Tenho minhas armas, e só.” Os instrumentos de trabalho são uma escopeta calibre 12, três pistolas automáticas e um revólver calibre 38. “A minha preferida é essa ‘ponto 40’. Nunca me deixou na mão”, diz empunhando a arma e simulando posição de tiro diante da reportagem da PLAYBOY.

As mãos macias não denunciam a lida com armas, tampouco o cuidado da terra a que se dedica no intervalo das mortes. “Quando não tem serviço, fico na chácara, plantando, vendo televisão, de preferência documentários do Discovery Channel e do canal Infinito, que trata de fenômenos sobrenaturais. Música, só caipira de raiz. Se eu não danço, não faz sentido ouvir música para dançar.”

Devoto de São Jorge, Antônio nunca sai para matar sem antes rezar pedindo proteção ao santo guerreiro para que mantenha o seu corpo fechado. Parece funcionar. Ele nunca foi alvejado. A conversa termina. Antônio levanta-se e segue em direção ao corredor escuro da casa. Antes de sumir por completo, volta-se com as pistolas em punho. “Precisando de qualquer ‘serviço’, já sabe onde me encontrar.”

Reportagem Playboy de Agosto.
Contactos para reportagem feito pelo site capitanbado.com




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