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domingo, 19 de julho de 2009

DESPOLUIÇÃO DA LAGOA RODRIGO DE FREITAS - RJ

Foto: Fernando Lemos

Lagoa Rodrigo de Freitas, no coração da Zona Sul: o bairro é o destino de 120 000 cariocas por fim de semana, em busca de diversão, esporte e gastronomia

despoluição

O renascimento da Lagoa

Com índices de qualidade de água próximos dos adequados para banho e um projeto de despoluição que envolve nova ligação com o mar, um dos cartões-postais e antigo orgulho da cidade mostra sua recuperação. Mas é preciso que esse trabalho vá até o fim


Patrick Moraes*

Às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, a vida segue célere. A ciclovia e pista de caminhada de 7,8 quilômetros, construída em suas bordas, divide a preferência dos cariocas com o calçadão de Ipanema e Leblon. Semanalmente, 1 000 corredores se exercitam por ali, lado a lado com atletas amadores, moradores e turistas. Nos fins de semana, os três parques que rodeiam o cartão-postal – Patins, Taboas e Cantagalo – recebem 120 000 pessoas em busca de lazer, entretenimento e dos quinze quiosques de alimentação. De frente para o espelho-d’água, por onde deslizam remadores, esquiadores e pedalinhos, ficam alguns dos prédios mais valorizados do Rio de Janeiro, com apartamentos de dois quartos avaliados em 540 000 reais – no ranking do mercado imobiliário, o bairro perde apenas para o Leblon.

Nem sempre foi assim. O cenário idílico ressurgiu nos últimos anos, graças ao renascimento de uma lagoa que chegou a estar na UTI: dos 16 000 coliformes fecais por 100 mililitros de água registrados em 2006, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) aponta atualmente 1 300. O número ainda é alto – 300 acima da marca indicativa de que a área é própria para banho –, mas a situação melhorou muito. Durante três verões consecutivos, entre 2000 e 2002, moradores, pescadores e esportistas assistiram, desconcertados, à mortandade de 236 toneladas de peixes, provocada por um sistema arcaico de ligação com o mar e, sobretudo, pelos despejos clandestinos de esgoto – um estudo chegou a indicar 340 ligações piratas na bacia hidrográfica. Do lado de fora, corredores trocavam suas pistas pelas da Praia de Ipanema. Dentro, remadores que insistiam no esporte ganhavam micoses na pele e passavam mal. "Tínhamos um balão de oxigênio na garagem para os atletas", lembra Juarez Fernandes, o Joy, remador do Flamengo. "As pessoas corriam poucos metros e desistiam", conta Luciana Toscano, treinadora de corrida. "Ninguém aguentava o cheiro."

Depois do desastre ambiental, vieram as providências. Na primeira delas, em 2001, a Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), pressionada pelo Ministério Público, inaugurou uma galeria de cintura, tubulação construída para impedir que os resíduos invadissem as passagens de águas pluviais, desviando-os para o emissário de Ipanema. Em 2007, a reforma de seis das oito elevatórias da Zona Sul mostrou resultados imediatos, junto com o monitoramento das ligações clandestinas que teimam em aparecer. "Temos doze homens que verificam diariamente 500 pontos da Lagoa", diz o presidente da Cedae, Wagner Victer. "Muita gente dava a região como perdida, mas não podíamos desistir." A estilista Lenny Niemeyer, moradora do bairro há 27 anos e praticante de esqui aquático por quinze, havia abandonado o esporte. Voltou ao constatar a melhora da água. "A poluição tinha me desmotivado", afirma. "Esse visual não podia ser desperdiçado." A atriz Helena Fernandes concorda: "Viver aqui é uma dádiva".

Foto: Coleção Brascan Cem Anos de Brascan / Acervo Instituto Moreira Salles{txtalt}
Em 1906, em foto de Augusto Malta: antes dos vários aterros que a lagoa sofreu ao longo dos anos, a ligação com o mar era direta
O renascimento da Lagoa é visível: o mau cheiro acabou e sua coloração é mais límpida. Mas ainda há sérios obstáculos a ser enfrentados sob o espelho-d’água. A emissão de dejetos durante décadas e a ação natural de chuvas e ventos criaram uma base putrefata. A situação é agravada por duas grandes crateras – uma entre os clubes Caiçaras e Flamengo, outra em frente ao Cantagalo – que surgiram devido à retirada de material para aterros. Esses buracos, que chegam a 9 metros de profundidade – a Lagoa tem, em média, 3,8 metros da superfície ao fundo –, contêm matéria orgânica em decomposição, sem oxigênio, produzindo gases tóxicos como o sulfídrico e o metano. Quando emergem para a superfície, na maioria das vezes pela ação de frentes frias e ventos fortes, os dois consomem muito oxigênio, causando a morte dos peixes por asfixia.

"O progresso é claro, mas ainda há fragilidades", aponta Fátima Soares, gerente de qualidade ambiental do Inea. "Temos, por exemplo, a questão das algas, que conferem uma coloração diferente à água e causam desequilíbrio no sistema." Paulo Rosman, coordenador do projeto de modernização do Jardim de Alah e professor da área de engenharia costeira da Coppe, o programa de pós-graduação e pesquisa em engenharia da UFRJ, compara o estado do ecossistema ao de um doente.


O renascimento da Lagoa

Com índices de qualidade de água próximos dos adequados para banho e um projeto de despoluição que envolve nova ligação com o mar, um dos cartões-postais e antigo orgulho da cidade mostra sua recuperação. Mas é preciso que esse trabalho vá até o fim

"O excesso de material orgânico e de nutrientes tornou a lagoa um obeso mórbido", diz ele. "Hoje, cuida-se dos efeitos colaterais e da aparência dela, mas a raiz dos problemas continua lá."

Para a recuperação completa, os poderes públicos apostam em uma parceria com a EBX, o grupo do empresário Eike Batista. Adepto das corridas em seu entorno, dono de um restaurante no bairro e com uma vista ímpar da Lagoa Rodrigo de Freitas de sua casa, no alto do Jardim Botânico, Eike enfatiza que o gesto é altruísta. "O Rio me acolheu, tenho empreendimentos aqui. Quero contribuir com a cidade", diz ele, que é mineiro de Governador Valadares. O projeto Lagoa Limpa pôs à disposição da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) um catamarã para auxiliar na coleta de resíduos e algas da água – já aumentou a quantidade recolhida de 40 para 65 toneladas por mês. É uma pequena faceta de um projeto ambicioso, que tem três pontos fundamentais: a criação de um centro de controle operacional automatizado para fiscalizar a rede de esgoto, próximo à elevatória do Leblon; a dragagem, a partir do fim do mês, de 95 000 metros cúbicos de resíduos; e a modernização do canal do Jardim de Alah para promover uma troca mais eficaz entre o mar e a Lagoa. O orçamento é de 30 milhões de reais e a conclusão está prevista para setembro de 2010.

Os dois últimos pontos despertam certa polêmica. Há quem tema que a dragagem remexa o fundo, liberando gases tóxicos e trazendo de volta as mortandades – a última aconteceu em 2002. "É uma ação perigosa, e não vejo muito sentido em tirar o material de um ponto da lagoa apenas para colocar em outro", diz o professor titular da UFRJ Francisco de Assis Esteves, especialista em ecologia. "Seria melhor usar aquilo como adubo para jardinagem ou para a construção de praças." Coordenadores do projeto geral da EBX, o biólogo Paulo Farag e o geógrafo Eduardo Cruz explicam que a ação se dará por meio de sucção, mais suave, e o material coletado será analisado, com separação entre o lixo e os sedimentos, antes da realocação.

Já a mudança no canal do Jardim de Alah solucionaria o problema – frequente – de afunilamento por areia, que impede trocas mais eficientes entre o mar e a Lagoa. O projeto prevê a passagem, pelo canal, de três grandes dutos que atravessariam subterraneamente a Avenida Vieira Souto e a areia, eliminando a divisão existente entre as praias de Ipanema e Leblon. A abertura dos dutos ficaria a 8 metros de profundidade, a uma distância de aproximadamente 300 metros da orla, pronta para fazer a captação ao ritmo das marés. "Essa água, fria, salgada e rica em oxigênio, entra direto no fundo, que deixa de ser putrefato e passa a ser vivo e ativo", explica Rosman.

A obra está prestes a entrar em fase de licenciamento e deverá contar com audiências públicas para aprovação. Em menos de um ano, o novo canal aumentaria a salinidade, cada vez mais baixa, da Lagoa, com reflexos na diversidade da fauna local. Um estudo do biólogo José Andreata, da Universidade Santa Úrsula, mostra que houve diminuição sensível das espécies marinhas existentes ali: dos 54 tipos que havia em 1990, restaram apenas oito. Em compensação, dobrou o número de exemplares de água doce: de quatro para oito. E a diversidade de aves aumentou: desde 1995, saltou de 31 para 54 espécies.

As expectativas e a torcida são compartilhadas por quem tira da Lagoa seu sustento. Os pescadores da colônia ZR-13, no Parque dos Patins, sofrem com a queda acentuada de robalos e siris, os mais valorizados. As 3 toneladas pescadas há dez anos reduziram-se a apenas 500 quilos por mês. Dos 34 pescadores, restaram dez. O processo de dragagem é visto com preocupação. "Temos medo de como isso vai nos afetar. Já fizeram outras tentativas e houve morte de peixes", diz Kátia Jilene de Lima, presidente da colônia. "No entanto, apostar na diversidade de peixes, com a troca entre mar e Lagoa, é uma boa ideia. Quando o grau de salinidade era maior, a qualidade dos peixes era melhor. Tomara que dê certo." Apesar de algumas dúvidas, já há o que comemorar. Afinal, sob as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas, a vida – e a esperança – renasce. É preciso agora exigir a conclusão das obras e cobrar os resultados.

* Colaboraram Carolina Vaisman e Vanessa Barbosa

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