Com quatro romances chegando ao cinema, Paulo Coelho revela sua relação com filmes
Artur XexéoRIO - Na Wikipédia - só para citar o serviço de um universo do qual ele é íntimo -, Paulo Coelho é apresentado como "escritor, compositor, filósofo, artista plástico e ator". Nenhum deles deu esta entrevista. O Paulo Coelho deste bate-papo é o espectador de cinema.
A alguns dias da estreia de seu primeiro romance a ser transposto para as telas - "Verônika decide morrer", que ele lançou em 1988 e cuja versão cinematográfica, estrelada por Sarah Michelle Gellar, conhecida na TV como "Buffy, a caça-vampiros", chegará aos cinemas brasileiros no dia 21 deste mês -, Paulo Coelho fala sobre... cinema. Dos Pirineus, onde se mantém em retiro, mas sem se desconectar da internet, ele fala dos filmes que marcaram sua infância, de seus atores preferidos e da admiração pelo cineasta italiano Sergio Leone.
Foram quatro dias de trocas de e-mails, sem muita preocupação com ordem. Uma resposta puxava outra pergunta. O único compromisso era de o assunto ser só cinema. E, dentro deste assunto, havia uma única restrição: "Só não me pergunte se gostei ou não de 'Veronika', porque não vi o final cut". Com vocês, o cinéfilo Paulo Coelho, tão cinéfilo que, logo no primeiro e-mail, apresentou-se como "Paulo, grande admirador de Vincent Price e que, recentemente, em março deste ano, teve a honra de apertar a mão de Christopher Lee".
Assista ao vídeo em que Paulo Coelho mostra como é estar em um tapete vermelho em um festival de cinema, assunto de seu próximo livroChristopher Lee? Como foi isso?
PAULO COELHO: Eu já tinha deixado passar uma oportunidade. Tinha sido convidado para um festival em Mônaco, não fui e, depois, descobri que ele estava lá. Em fevereiro deste ano, quando fui convidado para o Festival de Berlim, ele também estava lá. Sentamos na mesma mesa. Apertei a mão dele e me derramei em elogios. Mas evitei perguntar muito. Sei como são essas coisas.
Você se lembra do primeiro filme a que assistiu?
COELHO: Os desenhos animados de Tom & Jerry, nas sessões de domingo, às 10h da manhã, no Metro Copacabana. Assisto até hoje.
Como assim assiste até hoje? Você tem uma coleção de DVDs de Tom & Jerry?
COELHO: Se tem nas locadoras, alugo. Se não tem, alguns amigos meus, que usam um sistema chamado bittorrent, vulgarmente conhecido como pirataria, conseguem alguns. Mas Tom & Jerry estão presentes na maioria dos voos internacionais. Acho que não sou o único adulto que passou a infância com um rato e um gato se engalfinhando o tempo todo. Não sei por que gosto, não tenho saudades da infância. Mas gosto. Amor sem explicação.
Antes de se interessar por cinema profissionalmente, foi cinéfilo?
COELHO: Nunca me interessei profissionalmente por cinema. Jamais escrevi um roteiro na minha vida, desde que ouvi de um famoso escritor que "todo mundo começa escrevendo roteiros". Achei então que não era por aí. E continua não sendo por aí, já que recebi, ao longo destes anos, várias propostas para adaptar meus livros e recusei todas. Quero pagar o ingresso, entrar na sala, assistir e estar livre para dizer: "Adorei". Ou "detestei". Tambem reluto muito em vender os direitos de meus livros para o cinema, embora não faltem propostas. Dos mais de 15 que escrevi, apenas três ("Veronika", "Onze minutos" e "O alquimista") foram vendidos.
Mas o Canal Brasil costuma exibir o filme "O amante latino", dirigido por Pedro Rovai em 1979 e com Sidney Magal como protagonista, em que, nos créditos, seu nome aparece como roteirista. Na ficha técnica do filme no site Internet Movie Database (IMDB), Paulo Coelho é confirmado como roteirista.
COELHO: Escrevi a sinopse. Leram, me agradeceram e fizeram o roteiro - sem ter muito a ver com a sinopse. Talvez tenham colocado o meu nome por gentileza.
No IMDB também aparece um quarto filme que seria adaptado de um de seus livros, "A bruxa de Portobello". Esse filme não vai sair?
COELHO: Vai, sim. Este filme, eu fiz com meus leitores, foi uma experiência única. Como sempre digo que não vendo os direitos porque o filme se passa na cabeça do leitor, resolvi fazer uma experiência: ver o que se passa na cabeça do leitor. Coloquei no meu blog um convite, recebi mais de seis mil inscrições, mandei para um júri independente, e o filme estreia agora, em outubro, no Festival de Roma.
Na infância e na juventude, você sempre foi muito ao cinema?
COELHO: Era meu programa preferido. Nas quartas-feiras, o Colégio Santo Inácio fazia a projeçao de filmes escolhidos pelos padres. Vi desde o inesquecível "Marcelino pão e vinho" até o excelente "O homem que nunca existiu". Quando passei a ter algum dinheiro extra, o cinema e os livros passaram a ser as melhores maneiras de entender o mundo.
Que tipo de filme você mais gostava?
COELHO: Gostava de tudo. Até que veio a Geração Paissandu. Vivia nas sessões de meia-noite e terminava a madrugada bebendo com os amigos no bar Cinerama, ao lado do cinema, e fingindo que gostei do que detestava. O único cineasta que me lembro de ter descoberto ali e de quem eu gostei de verdade foi (Luis) Buñuel. O resto era um pesadelo.
Participar da Geração Paissandu foi traumatizante, então?
COELHO: Adorei "Les parapluies de Cherbourg", mas não podia contar para ninguém. Detestava e continuo detestando (Ingmar) Bergman com seus intermináveis conflitos existenciais, que nada tinham a ver comigo porque é um cinema tipicamente sueco; (Jean-Luc) Godard com sua pompa e arrogância (hoje em dia, já caiu um pouco no ostracismo); toda nouvelle-vague. Um dos piores filmes que vi na minha vida foi "O ano passado em Marienbad", de (Alain) Resnais, e me lembro de elogiá-lo para não parecer ridículo. Mas sempre existia a luz e a beleza de (Alfred) Hitchcock, (Charles) Chaplin, David Lean, Vittorio de Sicca, Sergio Leone, Roger Vadin (um dos poucos franceses a arriscar algo que fugisse do existencialismo reinante), os filmes de terror da Hammer e Bond, James Bond. Amores secretos, daqueles que não se ousa dizer o nome. Cheguei a considerar seriamente nunca mais frequentar o Paissandu, mas não tinha escolha, a minha turma estava ali. Enfim, todos mereciam o sacrifício de duas horas chatíssimas no cinema em troca de muitos dias de alegria por causa da convivência.
Você fala em luz e beleza de Hitchcok. Qual o melhor Hitchcock? Por quê?
COELHO: "Janela indiscreta". Nada de muito movimento de câmera, efeitos especiais, coisas do tipo. Apenas a tensão crescente de ver a mesma coisa o tempo todo e notar que não é a mesma coisa.
Você frequenta o Festival de Cannes, que já lhe rendeu tema para um romance, "O vencedor está só". Como cinéfilo, fica deslumbrado ao pisar o tapete vermelho ao lado de artistas de quem é fã ou, acostumado à vida de jet-setter internacional, é só mais um festival?
COELHO: Disso trata o meu livro: o glamour do festival de Cannes é sobre absolutamente tudo, EXCETO cinema. Por outro lado, admiro (o presidente do festival) Gilles Jacob por ter mantido a marca ao longo de 62 anos e criar o mercado paralelo, cheio de novidades que você só vê ali, porque os filmes raramente encontram distribuição. É, portanto, uma oportunidade única. Quanto ao tapete vermelho, não me lembro da primeira vez - possivelmente foi impactante. Depois, já não é novidade.
Qual o melhor filme de todos os tempos? Por quê?
COELHO: Eu já tive uma lista do melhor filme. O problema é que ela mudava sempre. Então, se precisasse escolher agora, eu colocaria no Olimpo, como Zeus, "Era uma vez no Oeste", de Sergio Leone. O segundo lugar vai para "Lawrence da Arábia", de David Lean. Em seguida, no mesmo nivel: "2001", "Teorema", "Ladrões de bicicleta", "A Batalha de Argel", "Blade runner", "Psicose", "Tempos modernos", "Drácula" (o da Hammer, não o do Coppola, que detestei) e por aí vai. Cada ano me lembro de um novo "o melhor filme de todos os tempos", mas "Era uma vez no Oeste" jamais foi destronado. Por quê? Porque ali está a história do cinema - de Ford a Pasolini. Basta ver com atenção. E são os melhores (poucos) diálogos, que conheço praticamente de cor.
Nenhum brasileiro?
COELHO: Não me apedrejem se não estou citando Glauber Rocha. Tem o excelente "O pagador de promessas", de Anselmo Duarte, esquecidíssimo, mas que ganhou a Palma de Ouro. Hoje em dia tem (Fernando) Meirelles, (José) Padilha... Tem Cleo Pires em "Meu nome não é Johnny". Conversei com os produtores e o diretor de "Onze minutos" sobre a Cleo, atriz ideal para a personagem central do livro. Até agora não deu resultado, mas continuarei insistindo até o primeiro dia de filmagem.
Copiado do Globo.
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